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Jornalistas comem mídias sociais


…enquanto o público vai mal, obrigado.

Tem havido um surto de queixas dos jornalistas, mundo afora. Eles tem reclamado, subjugados eu diria, sentindo-se ameaçados das mídias sociais. O problema é que o seu discurso ao defenderem o jornalismo que praticam tem sido carregado de teor assemelhado ao dos alimentos industrializados e ou dos remédios sintéticos. Você come um alimento saído de uma caixinha e não se preocupa com os ingredientes utilizados nos mesmos; muitas marcas de café, por exemplo, que você leva para a sua chávena contém meia dúzia de substâncias que não são café.

Enquanto um comentador no prime time afirma que determinado programa de “infotainment” não distingue informação de entretenimento e serviço, e vai mais longe envelopando todo um raciocínio em torno da liturgia da comunicação, função e objetivo dos veículos noticiosos, perde já na largada para as mídias sociais que protegem-se justamente em sua própria roupa de mídia social e ponto. Ali, como na esquina, à mesa de um bar e na sala de jantar, se diz o que se quer, se ouve o que se quer ou não e tudo fica meio resolvido ali mesmo, grande parte provavelmente esquecida, porque em seguida é dito e ouvido mais e mais até a próxima coqueluche digital, ou o novo meme, de um presidente ou de um miúdo milionário produtor de vídeos caseiros.

O paralelismo do discurso (e queixa inócua) dos Jornalistas com os alimentos e remédios industrializados se dá pelo seguinte: o indivíduo vai comprar comida porque quer comer; decide comprar carne moída e escolhe pelo preço e uma série de outros fatores, critérios inconscientes e objetivos na velocidade de um piscar de olhos, não importa se aquela bandejinha de carne moída contém soja, conservante, corante e temperos químicos, misturados com alguma carne e retalhos de cartilagens e gorduras. Ao chegar em casa fará um belo molho a bolonhesa, com mais produtos químicos da lata de extrato de tomates, que será derramado sobre o spaghetti produzido com farinha de trigo e soja com ferro, ácido fólico, mais corantes de urucum e cúrcuma e glúten, sim, um pouco de ovo e água. Diga-se de passagem, somente uma fábrica deste tipo de massa fabrica milhões de toneladas por mês; uma ordem de grandeza em torno de quinhentas toneladas de farinha chegam de caminhão diariamente capturadas por enormes guindastes diretamente para o processo de fabrico, canalizadas para enormes tubos que sugam o material enquanto outros ingredientes são adicionados na sequência de produção, alternando máquinas que darão o formato final ao produto comprado na gôndola do supermercado e que caiu na panela daquele indivíduo, que alimenta-se preocupado com o bolso, não exatamente com a sua saúde. Outro paralelo (reverso) poderia ser desenhado neste ponto, do homem que alimenta-se para matar a fome, não para manter-se saudável, mas essa é outra história. Pois, o Jornalista, enche a boca para falar de “comunicação”, “notícia”, função do “jornalismo”, dever do repórter de informar “a verdade” factual, enquanto o seu leitor, o seu público alvo, não tem a menor ideia do que sejam aqueles conceitos, da mesma forma que não supõem sequer o que come.

Neste contexto, se as ditas mídias sociais ganharam terreno do jornal - televisivo, radiofônico, impresso matutino, vespertino, diário, impresso e online – grande parte, a maior, é porque o Jornalista (desde o diretor de redação ao foca) é burro. Burro, neste caso, é aquele que ao defender-se de uma ameça olha para o próprio umbigo e pede socorro diante do espelho.

Outro paralelo possível agora seria com a prática, e aceitação, da medicina hegemônica submissa à indústria farmacêutica e lobby dos diagnósticos, cujo “head quarter” ou “think thank” (dá no mesmo) é, acredite, no Japão. O sujeito vai ao médico e este solicita exames de imagem junto com análises laboratoriais de amostras de sangue, fezes e urina; subsequentemente vai “ler” aqueles resultados, indiferente ao corpo individual a sua frente, na melhor das hipóteses irá relativizar com a idade, sexo e indicadores padrão de antropometria (i.e. peso, altura, etc). Pergunto: isto distingue você de mim, diante deste médico? Se o nosso problema for uma dor no abdómen, a prescrição poderá ser uma intervenção cirúrgica invasiva, sem dó, e uma dose cavalar de “balas mágicas”.

O remédio que o Jornalista está precisando – voltando para a nossa seara – está em sua própria lavra, aliás uma mina de ouro tão igual aos aquíferos, que estão para o petróleo assim como a educação está para a capacidade de um país gozar de melhor índice de desenvolvimento humano (IDH). E, agora, finalmente, sugiro uma dose tsunâmica para os “coleguinhas” começarem a olhar para as mídias sociais pelo retrovisor: somos os guardiãs palavra; as utilizamos como ninguém; nossa arma supera qualquer metralhadora avançada; dispomos de recursos somados inigualáveis, desde que não deixemos de carregar a palavra como munição fundamental; imagens, sons e todo um arsenal de subjacências estão ao nosso dispor para encapsular a palavra que, em nosso arsenal, adquire poder nuclear de disseminação e disrupção sem precedente. Afinal estas duas últimas palavras talvez sejam a razão secreta do jornalismo existir. Ora, se não for para isso, para que noticiar, informar, comunicar, evoluir? Como? Aqui vai:

Muito antes de existir essas redes para cada um de nós publicar o que se nos dá na telha, diariamente, surgiu a possibilidade fabulosa de conexão além do telefone por fios (cabos, lembremo-nos, que trafegam no mundo submarino transatlântico e ainda são mais eficientes do que as frequências pelo ar e via satélites), de seguida aquelas conexões surgiu a possibilidade fantástica de exibição de dados, imagens estáticas e animadas, informação numa tela de computador, logo adiante nas telinhas de telemóveis, somente quando isso já não era mais tão novidade é que surgiram os guetos virtuais proliferados feito pulgas em comunidades planetárias de seguidores e simpatizantes, para o delírio e usufruto dos oportunistas e políticos de toda sorte, do abominável trump à mais obscena das mentes humanas. Ocorre que os gestores dessas ferramentas que aglutinam tais comunidades ensandecidas e permeáveis à superficialidade total utilizam um remédio, são alimentadas por uma substância, que ninguém se dá conta, e come mesmo assim: os metadados, pendurados em possantes programinhas encadeados por algoritmos (este observador já programou algoritmos em linguagens Assembler, Fortran, Algol, Cobol e outras e pode garantir, quando você aprende a controlar quando um bit ascende e apaga, “on” e “off”, isto é, que bit vale “1” e qual “vale nada”, tudo pode ser dito e medido; o programa seguinte é um fluxo de dados em diagrama decisório heurístico. Claro, pode ler novamente, não machuca.

Me refiro ao seguinte: exatamente na virada deste século XXI, já era possível aos Jornalistas aprenderem a utilizarem HTML (HyperText Markup Language) mas pouquíssimos o fizeram, muitos nem sequer baixaram o nariz humildemente para aprender a “energizar” palavras em seus textos (ativar links). Publiquei um texto no Observatório de Imprensa no Brasil, década atrás, chamando a atenção para a importância de utilização desse recurso para não perdermos o comboio da tecnologia que nos traria para o futuro e recebi mensagens hilárias, para dizer o mínimo. Por força da profissão somos obrigados a valorizar a palavra, é ela que veicula o conteúdo e robustece o contexto. As mídias sociais não são nada mais do que um caldo grosso de metadados, algoritmos e joguinho binário de bilhões de combinações por nanossegundos. Enquanto nos bastidores Jornalistas recebem maquiagem (desde maquiagem de verdade a tapinhas nas costas) para realçá-los na imagem propagada, e os “gatekeepers” escolhem o que e quando isso ou aquilo será considerado ou não “hard news”, “soft news”, o que e onde irá ser exibido o “kicker”, se o “lead” tem mesmo os cinco pontos, o que, qual, quem, onde, como, enquanto o departamento de “comunicação & marqueting” diz o que gera ou não tráfego.

O Jornalismo pode fazer muito melhor. Se o Jornalista se transformar num metadado ambulante, transpirar metadado, escrever, falar e filmar metadado. Basta adotar o metadado para potencializar o que já tem desde sempre, a palavra, e utilizá-la com seriedade na melhor acepção do termo. Depois disso, chamar novamente a cavalaria – os escritores – como fizera nos tempos do feuilleton e do “The Tatler”. Ganhará de 10 x 0 deste mundinho pequeno de palavrinhas mal escritas, posts… E todos ficaremos muito melhor alimentados, obrigado.

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